terça-feira, 6 de setembro de 2011

Carta de repúdio de uma mulher, cidadã e professora brasileira

Excelentíssimo Senhor Governador do Estado do Ceará
Em primeiro lugar devo esclarecer que ao me dirigir a vossa excelência nos termos acima o faço não devido à respeitabilidade aos padrões de educação que regem as regras de boas maneiras para aqueles que se dirigem às autoridades dignas de tal tratamento. O senhor não as honra, não as merece não faz jus a elas. Se me dirijo a vossa excelência nesses termos, é em respeito a minha educação, provinda de minhas origens nordestinas através de minha bisavó cearense e analfabeta, e de minha educação formal, sou graduada em Letras licenciatura plena pela Universidade Federal do Ceará e faço mestrado nesta mesma instituição. Sou professora.
De antemão sei que pelas revelações acima, no que se refere a minha formação profissional, não posso contar com o respeito de vossa excelência e é, por esse motivo, que escrevo esta carta, é um desabafo, extenuação do meu repúdio, do meu asco pelas veleidades que assomam este país e este estado do qual o senhor é representação máxima.
Tenho acompanhado pela imprensa cearense e nacional a problemática em que se encontra o estado do Ceará em relação à educação básica. Deixarei de lado as questões da educação superior em relação a nossa Universidade Estadual não por ser de menos importância abordar este assunto, que também faz parte da atual e vergonhosa situação da educação neste estado, mas por ser este um capítulo à parte desta história corrompida.
O estopim de minha indignação “excelência” deu-se pela leitura de uma reportagem no portal da APEOC em que o senhor questiona o motivo de os professores estarem na carreira pública e que esta, por sua vontade, nem mesmo existiria. Na mesma entrevista consta um vídeo em que o senhor conversa com representantes grevistas. Ainda que o áudio deste vídeo esteja prejudicado pela precariedade do equipamento utilizado, fica muito claro em suas expressões o descaso, o deboche e a pouca seriedade de vossa “excelência” em falar aos professores. Bem diferente das solenidades e de sua postura respeitosa quando, por exemplo, trata com os servidores do fisco do estado. Qual o motivo da diferenciação governador? Todos os servidores têm sua importância, estamos em igual nível com os mais altos cargos do serviço público no que diz respeito a formação acadêmica. Quiça não estejamos em maior nível visto que nossa carreira nos exige, diariamente, o aprofundamento do nosso objeto de estudo. Estar todos os dias em sala de aula requer do professor contínua busca pelo conhecimento, pela excelência do fazer docente.
Sei que o motivo do descaso com a educação neste país tem suas origens em nossas raízes históricas. Mas também sei que ele perdura pelas mãos de governantes levianos, corruptos, enganadores e confiantes de que sua atuação enganosa e destrutiva para o engrandecimento desta pátria é subsidiada pela ignorância e miséria de um povo despojado de sua dignidade, que passa por serviços dignos em educação, saúde, moradia... Faço aqui um discurso clichê porém verdadeiro que ecoa aos ouvidos da história dos homens, desde que estes formaram os estados e passaram a ser governados pelos interesses de uma minoria: um povo desprovido de educação não tem voz para clamar seus direitos. Séculos findam e se iniciam e ainda vemos os interesses das maiorias sendo ignorados. No que diz respeito à história do Ceará, ainda regem as oligarquias e os coronelados, que mudam de face, de discurso e de origens (por vezes proclamadas humildes), mas ainda permanecem, na essência, como uma forma de governar pela truculência e pelo descaso.
Fica claro “excelência” que seu governo não difere daqueles que instalaram a metástase do descaso neste estado. Como já expus no início desta carta: sou neta de uma nordestina, sobralense, sua conterrânea e provavelmente pertencente ao mesmo ramo de suas origens familiares, se chamava esta guerreira filha do sertão Joana Gomes da Rocha. Mulher forte, porém sofrida, que se viu obrigada a deixar esta terra, que não bastasse ser castigada pelas duras leis da natureza é também castigada pela infâmia de homens que dela se julgam donos, que dela usufruem de forma predatória, desonesta, injusta. No entanto, a maior dor de minha avó não foi ter sido obrigada a deixar suas origens, sua maior dor foi a de nunca ter tido forças para segurar um lápis entre os dedos e poder escrever seu próprio nome. Joana era analfabeta, como muitos hoje ainda o são. Se nosso país tem dado significativos saltos para erradicar o analfabetismo, ainda se encontra estagnado em relação ao bom uso da educação: escolas públicas ganham, a cada dia, boas instalações, merenda escolar, informatização, livros... Mas estão desprovidas de seu bem maior, o professor.
A cada dia que passa vejo meus colegas de profissão serem humilhados pela desvalorização de sua escolha profissional, são despojados de sua dignidade por não poderem trabalhar e receber um salário digno, e, agora, ante sua fala, nem mesmo fazerem parte do serviço público. É revoltante vossa “excelência” ver que neste país governar é sinônimo de despojar! É revoltante para mim como professora, como cidadã, saber que não tenho o direito de exercer com brios, com orgulho a profissão que escolhi. É revoltante saber que aos meus, foi, e é negado o direito de saber, de ser!  Vossa senhoria e todos os demais profissionais deste país precisaram passar pelas mãos de um professor. É desnecessário fazer o discurso dos humilhados, porém, não me furtarei ao direito de expressar meu repúdio ao seu governo e às suas atitudes. Não me furtarei em dizer que cabe ao tempo mostrar que não haverá de ser sempre assim. Se não podemos contar com seu respeito, com a valorização de nosso trabalho, contaremos com o saber que dispomos para fazer mudar o curso desta história.  Algum dia em nossas salas de aula, registrados nos livros de nossos alunos, constará o nome de vossa “excelência”: CID GOMES. Ele será, no entanto, apenas uma nódoa na história de superação deste estado. Assim eu creio!
Luciene Oliveira Vieira
Fortaleza, 24 de gosto de 2011.
"Se você é capaz de tremer de indignação a cada vez que se comete
uma injustiça no mundo, então somos companheiros."

Che Guevara

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